terça-feira, 29 de setembro de 2009

É PRIMAVERA, BACANTES

Foto: Danilo Canguçu

Foto: Francesca Woodman


Pintura: Egon Schiele

HINO A PÃ

de Mestre Therion

Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!
Vem com Apolo, nupcial na brisa
(Pegureira e pitonisa),
Vem com Artêmis, leve e estranha,
E a coxa branca, Deus lindo, banha
Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
Manhã malhada da àmbrea fonte!
Mergulha o roxo da prece ardente
No ádito rubro, no laço quente,
A alma que aterra em olhos de azul
O ver errar teu capricho exul
No bosque enredo, nos nás que espalma
A árvore viva que é espírito e alma
E corpo e mente - do mar sem fim
(Iô Pã! Iô Pã!),
Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
Meu homem e afã!
Vem com trombeta estridente e fina
Pela colina!
Vem com tambor a rufar à beira
Da primavera!
Com frautas e avenas vem sem conto!
Não estou eu pronto?
Eu, que espero e me estorço e luto
Com ar sem ramos onde não nutro
Meu corpo, lasso do abraço em vão,
Áspide aguda, forte leão -
Vem, está fazia
Minha carne, fria
Do cio sozinho da demonia.
À espada corta o que ata e dói,
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
Dá-me o sinal do Olho Aberto,
E da coxa áspera o toque erecto,
Ó Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã.,
Sou homem e afã:
Faze o teu querer sem vontade vã,
Deus grande! Meu Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
Do aperto da cobra.
A águia rasga com garra e fauce;
Os deuses vão-se;
As feras vêm. Iô Pã! A matado,
Vou no corno levado
Do Unicornado.
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Sou teu, teu homem e teu afã,
Cabra das tuas, ouro, deus, clara
Carne em teu osso, flor na tua vara.
Com patas de aço os rochedos roço
De solstício severo a equinócio.
E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
Sempiterno, mundo sem termo,
Homem, homúnculo, ménade, afã,
Na força de Pã.
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!

(Fernando Pessoa)

ARQUIVO

Último dia da oficina "Voz e Corpo para a Cena: Investigação de Ações Físicas", ministrada pelo Alvenaria, em maio deste ano, no CEFET (Barbalho)


Visita ilustre de Fernando Yamamoto e César Ferrario do Clowns de Shakespeare

domingo, 27 de setembro de 2009

ALVENARIA de portas abertas

Ritos...






Fotos do grupo reunido em Cachoeira,
na celebração para Nossa Senhora da Boa Morte.*


A porta, quando aberta, tem uma certa alvenaria diferente de qualquer outra. Talvez pela qualidade da iluminação que adentra o cômodo, talvez pelo canto dos pássaros que se ouve com maior nitidez, não sei ao certo, mas a alvenaria não é a mesma. É impressionante como a madeira muda. Parece ganhar vida novamente. É sorridente.

*Viagem de pesquisa e observação para o espetáculo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

INSPIRAÇÃO


Fotos: Francesca Woodman


II

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu
Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

III

A minha Casa é gurdiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.
A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
A uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?
(Hilda Hilst)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

RELEASE

Vinho, prazer e mito

Foto: Danilo Canguçu

O universo mítico de Dionísio será evocado no espetáculo BAKXAI - sobre As Bacantes, do Alvenaria de Teatro, dirigido por Daniel Guerra, a partir da tragédia clássica de Eurípides. A montagem estréia nesta primavera, dia 05 de outubro, às 20 horas, na Casa D’Itália (Largo dos Aflitos – Centro), que pela primeira vez abre suas portas para apresentação de uma peça de teatro. O trabalho é fruto de sete meses de ensaio e de um ano e meio de pesquisa grupal.

O espetáculo BAKXAI - sobre As Bacantes, além de marcar a estréia do grupo, está também vinculado à Universidade Federal da Bahia tratando-se da conclusão de graduação em direção teatral de Daniel Guerra, membro do grupo e diretor da montagem.

O grupo
O Alvenaria de Teatro foi criado há um ano e meio por alunos e egressos da Escola de Teatro da UFBA, que vêm trabalhando sistematicamente e desenvolvendo pesquisa em artes cênicas, com residência artística no IFBA, antigo CEFET (Escola Técnica). O grupo é composto por uma equipe de dois diretores- Daniel Guerra e Lucas Modesto- e oito atores- Camilla Sarno, Felipe Benevides, Laura Franco, Liliana Matos, Lílith Marques, Ludmila Brandão, Raiça Bomfim e Thor Vaz. O espetáculo conta com a participação dos oito atores do grupo e André Rosa, como ator convidado.

Referências
Partindo de estudos sobre técnicas de mímica corporal, yoga, acrobacia, biomecânica, ações físicas etc, e tendo como inspiração e referência autores como Grotowski, Barba, Artaud, Nietzsche, Boff, Cecília Meirelles, entre outros, o grupo se empenhou numa rotina diária de treinamento e reflexão. Após um processo de intensa investigação sobre o artesanato teatral, é trazido finalmente à cena, como resultado desse estudo, o universo de Baco, adentrando a construção da liturgia desse deus que representa o teatro, o prazer, o vinho e a orgia. Além do clássico de Eurípides, um amálgama de referências e textos de autores como Baudelaire, Rimbaud, Marcel Detienne, Fernando Pessoa e Cruz e Souza servem a essa trama dionisíaca.

O rito
O rito ao deus que inicia as mulheres em seus mistérios através do delírio, da ludicidade e do gozo, marca, pois, a estréia do grupo no cenário teatral da cidade. Em Baco, as mulheres fincam suas esperanças e nele depositam todo o seu potencial criador. O coro de mulheres, aqui, passa a ser o foco central da narrativa e é por meio de seus atos e delírios que o embate entre Dionísio e Penteu é desvelado. Progressivamente, a Tebas encarnada no salão da tradicional da Casa D’Itália vai se tornando palco das mais estranhas alegorias. Junções de projeções coletivas, as imagens corporificadas pelas mulheres ganham vida e começam a agir por conta própria, num desenlace surpreendente. A narrativa da peça é permeada pelas relações entre sagrado e profano, fé e necessidade, repressão e rebeldia, ordem e caos.

A encenação
Daniel Guerra, diretor da montagem, comenta que “BAKXAI se utiliza do universo de As Bacantes para sintetizar uma poética própria, mas fiel ao conjunto imagético proposto pelo texto. Eu entendo que um texto – ainda mais em se tratando de uma obra milenar – só pode ser considerado vivo, se tiver seu conjunto de signos encarnados em corpos atuais, que contraponham e reinterpretem signos milenares a partir de suas próprias vivências cotidianas. Este corpus pulsante é o corpo de criação do Alvenaria de Teatro. Juntos, propomos, através de treinamento, leituras e improvisações, diálogos com o texto, e assimilamos as imagens que eles nos oferece experimentando-as em sala de ensaio”. Ele explica que o texto foi adaptado a partir dos fluxos individuais, das relações tecidas a partir dos atores e seus corpos. “Optamos por encarnar o espírito dionisíaco no sentido da libertação criativa. Vivemos juntos há algum tempo debaixo do olhar do deus da loucura (numa balsa de loucos, à deriva) e o mito nos chegou em forma de vivência grupal” acrescenta.

As Bacantes
O clássico grego As Bacantes, de Eurípides, relata a passagem fulminante de Baco, também chamado de Dionísio, por Tebas. O deus chega à cidade grega, acompanhado pelo seu cortejo de bacantes, exigindo dos cidadãos tebanos suas devidas homenagens e libações. Tomadas pelo delírio dionisíaco, as mulheres gregas abandonam seus lares e afazeres para juntar-se ao cortejo, na sagração do deus. Contrariamente a essa força caótica, encontra-se Penteu, rei de Tebas, que questiona a divindade e os ritos dionisíacos, perseguindo o deus e seu séquito. O conflito daí resultante, entre o deus estrangeiro e a casa reinante que o considera uma força subversiva aos costumes, é o âmago dessa tragédia.

Nascido em 480 a.C., perto de Atenas, Eurípides é um dos três grandes expoentes da tragédia grega e provavelmente o mais popular nos nossos tempos. A tragédia de Eurípides, além de compor um dos marcos da cultura grega, berço de nossa cultura ocidental, devassa a alma humana e seus conflitos, delineando arquétipos que persistem em nossa sociedade. O homem é posto nu frente ao destino e essa característica profundamente humana imprime na obra um caráter atemporal e, portanto, absolutamente atual.

Casa D’Itália
Para este encontro de mundos, o espetáculo precisava ambientar-se em um amplo salão que acolhesse o público num ambiente intimista, familiar. Daí a escolha em situar a peça na Casa D’Itália, casarão tradicional localizado no centro histórico da cidade, que reforça o espírito de história, memória, vida, cotidiano e intimidade da encenação.

O espetáculo fica em cartaz todas as segundas, terças e quartas de outubro - com exceção da segunda semana (dias 12, 13 e 14)-, sempre às 20h. A Casa D’Itália possui estacionamento privativo e a Cantina funcionará em todos os dias de espetáculo.

Deméter nos dê boa colheita a todos. Evoé!

INSPIRAÇÃO

Imagem: Shiele, uma de nossas inspirações.

“De fato sem o vinho, onde haveria o amor?
Que encanto restaria aos homens infelizes?”
(trecho de “As Bacantes”, de Eurípides)

sábado, 19 de setembro de 2009

BACANAL

Foto: Danilo Canguçu

Quero beber! cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco…
Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada.
A gargalhar em doudo assomo…
Evoé Momo!

Lacem-na toda, multicores
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos…
Evoé Vênus!

Se perguntarem: Que mais queres,
Além de versos e mulheres?…
- Vinhos!… o vinho que é meu fraco!…
Evoé Baco!

O alfanje rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!…
Evoé Momo!

A Lira etérea, a grande Lira!…
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos.
Evoé Vênus!

(Manuel Bandeira)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

ESTRÉIA


"VAMOS, BACANTES! VAMOS! CELEBRAI."