sexta-feira, 2 de outubro de 2009

REFERÊNCIAS...

“Um músico famoso, que ignorava as propriedades do haxixe, e que possivelmente nunca ouvira falar delas, cai em um círculo onde várias pessoas já haviam tomado a droga. Tentam fazê-lo compreender seus maravilhosos efeitos. Diante destes relatos prodigiosos, sorri com graça, por complacência, como um homem que quer se apresentar bem por alguns minutos. Seu desprezo é logo percebido pelos espíritos aguçados pelo veneno e os risos o ferem. As explosões de alegria, os jogos de palavras, as fisionomias alteradas, toda a atmosfera malsã irritam-no e levam-no a declarar, mais cedo talvez do que o desejasse, que esta charge de artista é má. A comicidade ilumina todos os espíritos como um relâmpago. Houve um redobramento de alegria. “Esta charge pode ser boa para vocês, diz ele, mas para mim, não” – “Basta que seja boa para nós”, replica egoisticamente um dos enfermos. Sem saber se está lidando com verdadeiros loucos ou com pessoas que simulam a loucura, nosso homem crê que o mais sensato a fazer é retirar-se; mas alguém fecha a porta e esconde a chave. Um outro ajoelhando-se diante dele, pede-lhe perdão em nome do círculo, e declara-lhe insolentemente, mas às lágrimas, que, apesar da inferioridade espiritual do músico, o que talvez provocasse um pouco de piedade, todos são tomados de uma profunda amizade com ele. Este resigna-se a ficar, e mesmo condescende, após súplicas veementes, em tocar um pouco de música. Mas os sons do violino, ao se difundirem pelo apartamento como um novo contágio, arrebatam ora um enfermo ora outro. Eram suspiros roucos e profundos, soluços súbitos, rios de sua música e, aproximando-se daquele cujo êxtase provocava maior ruído, pergunta-lhe se está sofrendo muito e o que seria necessário fazer para aliviá-lo. O enfermo, com êxtase no olhar, fita-o com um desprezo indizível. Querer curar um homem doente de excesso de vida, doente de alegria!”

Charles Baudelaire, Paraísos Artificiais.

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